12 janeiro 2006

fim de poema

Para que nem tudo vos seja sonegado
Cultivai a surdina.
Em surdina arrumo os utensílios
Em surdina preparo-me para morrer
Amo-te! Chut, em surdina.
A minha vida, nesga entre dois ponteiros, fecha-se
em surdina.

Sebastião Alba



Arena


- De Pessoa, há uma fotografia, do ano da sua morte, que me vem perseguindo. Matar-se já não é um gesto irrepetível, individual (dirigido contra si próprio). O suicídio começa a ser colectivo, nosso contemporâneo.
- Os pobre-diabos deste mundo (e os donos deles sentam-se ao lado uns dos outros, à nossa vista) só têm uma solução: organizar-se inteligentemente. Ou morrem. Agradeço ao escritor norte-americano Jack London (aventureiro e suicida) o cão de trenó que me deu. É infalível. Quando há uma fenda (neste mundo gelado) estaca, eu aproximo-me dele para ver o que há, e ficamos os dois ali a pensar na rota e na puta da vida.
A vida está com os cornos desembolados; enquanto grandes toureiros a enfrentam, na arena, eu, na fasquia, observo como ela marra. Quero aprender, com eles, a voltear bem a capa, ou a colhida é certa.

Sebastião Alba, in Albas

FR - 29/01/2006


Pastoral

Seus novíssimos guardadores de rebanhos, vocês, a mim, não me tangem.
Eu nunca me esquecerei dos pastores que vi na infância, a quem o crepúsculo punha no contorno uma linha de sombra e, tantas vezes surdos-mudos, guardavam no vislumbre de cada olhar a ovelha que reconduziam à pedrada e amavam. Vocês, a mim, não.

Não obstante a tua atenção começar a desprender-se das sobras destes filhos da puta, não te esqueças de que elas, ainda compactas, estão em marcha.

Se caíres entre os cães, lambe-te e ajuda-te a morrer, meu doce lobo.
Isto parece um poema? Ainda não é. Poderia dar-lhe outro timbre. Mas a poesia e eu estamos de costas voltadas, só quando nos entreolhamos, algumas palavras fluem.

Sebastião Alba, in Albas

FR




4 comentários:

Anónimo disse...

FANTÁSTICO! Do grande Mestre Sr. Dinis!!!!
...na sombra... sempre na ausência de luz....

Anónimo disse...

Tomei a liberdade de colocar a capa do livro ao lado do poema. Se clicarem na imagem ela maximiza-se e vÊem-se todos os pormenores, editora, etc.

Anónimo disse...

O poema foi uma boa escolha, RickY!

koolricky disse...

é labareda!