O Aqueduto das Águas Livres, a maior peça de engenharia hidráulica do século XVIII, ganhou a forma serpenteada numa extensão de quase 60 km – tudo para saciar a sede à capital. Monumental obra pública, Património Nacional, reabriu agora as portas ao público e leva-nos numa viagem no tempo.
Antes do aqueduto, os lisboetas podiam dar-se ao luxo de três banhos ao longo de uma vida inteira: quando nasciam, quando casavam e quando morriam. Fora destas ocasiões solenes, só a cara, as mãos e os pés mereciam um contacto com a água e, mesmo assim, um contacto breve.
Sete séculos de sede crónica em Lisboa não escondiam a ironia de a capital ser majestosamente banhada pelas águas do rio Tejo. Estima-se que cada habitante dispusesse apenas de seis litros de água, razão pela qual uma bacia de água servia para lavar a roupa, o corpo e ainda para fazer a barba e limpar a casa – de uma forma que se adivinha não muito meticulosa –, antes de o famoso grito “água vai” anunciar o seu despejo para as ruas.
Na época, Lisboa saciava a sede em poços, cisternas e chafarizes medievais. Um deles, o Chafariz D’El Rei, dispunha de seis bicas – uma para cada classe social – com uso regrado para evitar os atropelamentos. Por tudo isto, os viajantes que aqui chegavam encontravam bom motivo para não voltar: o cheiro, descrito jocosamente como de “estrebaria”.
Dizer, portanto, que o aqueduto revolucionou a higiene da capital não é uma metáfora. As hipóteses de um sistema de abastecimento que acabasse com a crise de água já tinha sido estudado e planeado várias vezes, mas nunca posto em prática. Na verdade, o ponto de partida do aqueduto já estava definido, pelo menos desde o século III, quando um embrionário aqueduto romano já identificara os férteis vales de Caneças. Mas só em 1732, D. João V, imbuído do espírito barroco dos grandes empreendimentos e financiado pelo ouro e diamantes do Brasil, assina o decreto que dá luz verde ao projecto.
Ao longo de 102 anos, com o cunho de alguns dos principais arquitectos e sob a égide de cinco monarcas, lançam-se as pedras para 58 quilómetros de galerias – parte em construção subterrânea, iluminada por 137 clarabóias.
A monumental empreitada é morosa e encontra o grande desafio no vale de Alcântara: 35 arcos fazem uma triunfal entrada em Lisboa, com destaque para um em particular, o maior arco em ogiva de pedra do mundo, com 65 metros de altura, e que mereceu a inscrição no livro de records do Guiness. Estes desconcertantes arcos sobreviveram, aliás, ao terramoto de 1755, dando origem às mais diversas teorias e expressões. Uma delas sobreviveu até hoje, mais curta, mas com o mesmo significado: “rés-vés Campo de Ourique”, ou “falhou por pouco a falha de Campo de Ourique”.
Muito provavelmente sem qualquer reconhecimento pela grandiosidade da arcaria de Alcântara, os dois passeios pedonais conhecidos como Estrada dos Arcos – e que obrigavam ao pagamento de “portagem” a quem os usasse para chegar mais rapidamente à cidade – foram escolhidos como palco de actuação para um perigoso gang, que, durante anos, e para contrariedade das autoridades, aterrorizou, assaltou e lançou muitas das vítimas de uma altura de mais de 60 metros.
O cabecilha, Diogo Alves, acabou por ser o último condenado à morte em Portugal, mas o seu nome continuou a ensombrar a Estrada dos Arcos, que se manteve fechada durante 144 anos. As nascentes no vale de Carenque, em Belas, não tinham a força necessária para empurrar a água até Lisboa, e à obra original vão-se somando ramais subsidiários, que canalizam o precioso líquido de mais de 70 nascentes.
O esforço do homem reveste a obra em pedra, o engenho revela-se no aproveitamento da gravidade para garantir o trajecto da água. Com honras de visita de Estado, as primeiras águas chegam a um chafariz improvisado na rua das Amoreiras, em 1748 – ainda o traçado do Aqueduto das Águas Livres não é o definitivo – façanha celebrada com o Arco que domina a zona. Mais tarde, para a receber e distribuir pela cidade, 32 chafarizes hão-de nascer de projectos de Carlos Mardel, hoje classificados como Património Nacional.
Em 1967, o Aqueduto das Águas Livres deixa de desempenhar a função para que fora originalmente concebido, mas tem-se mantido aberto à curiosidade do público, fechando apenas nos frios meses de Inverno.
Texto de Joana Hari
Revista Rotas e Destinos
FR
03 junho 2006
Aqueduto das Águas Livres
Posted by Francisco Rodrigues at 11:12
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4 comentários:
Hi! Just want to say what a nice site. Bye, see you soon.
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Looks nice! Awesome content. Good job guys.
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...e o que se dizer do belíssimo Palácio de Versailles? Nenhum banheiro!
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