06 janeiro 2007

Aborto, os falsos argumentos

Olá a todos!
Antes de emigrar mais uma vez, numa viagem que parece não ser a última, queria só deixar algumas considerações sobre o referendo que se avizinha e para o qual, infelizmente, não vou poder contribuir com o meu voto, devido a essa mesma ausência motivada pela minha saída do país. Poderia escrever um livro sobre isto mas vou tentar condensar numa página.
1 - Quem quer fazer uma interrupção voluntária da gravidez (IVG, vulgo aborto) FAZ! É uma decisão que, quer se queira ou não, passa por cima da lei! Há duas opções para a mulher: ou tem dinheiro e vai a Espanha a uma clínica privada pagando, consequentemente, um balúrdio, e deixando o capital português em Espanha, ou então sujeita-se ao que vulgarmente se chama de aborto de garagem, este último com condições de higiene e segurança absolutamente deploráveis. Quanto à última forma nem sequer me vou alongar quanto à categoria que os "médicos" que o performam têm, porque na maioria dos casos nunca puseram um pé num hospital.
1a - Por estas razões, o não ao aborto é uma posição hipócrita. É legislar contra, cientes de que os abortos não irão ser feitos. Um bocado como a posição que os países islâmicos têm acerca dos homossexuais. A recordar, estes países recusaram-se a assinar o protocolo mundial da conferência contra a VIH/SIDA na África do Sul por alegarem que a homossexualidade não existe em países árabes, o maravilhoso exemplo de que a lei não é sinónimo de verdade.
2 - Há já quase dois anos estava eu a fazer colecção de tecidos adiposos, no seguimento da investigação de doutoramento que fazia, quando passei, juntamente com a enfermeira que me ajudava, pela ala das interrupções de gravidez assisitidas. Disse-me a enfermeira que se faziam 30 (!!) por dia. Acabamos a discutir sobre o número destas operações, já que me pareceu alto e a isso ela perguntou-me, "e quantos abortos são feitos em Portugal? Pois, não sabes, exactamente porque eles são clandestinos."
2a - Se o número de abortos é clandestino como poderemos saber quantos são feitos? Estimativas valem o que valem. Mais a mais, fala-se muito na redução preocupante da taxa de sucesso da reprodução dita natural e no consequente aumento de reprodução médica assistida (RMA) em Portugal. Aqui, temos dois pontos a explorar.
2b - O aborto clandestino, ao ser feito por talhantes (sem ofensa para a profissão) contribui para que recorramos cada vez mais às RMA, que são comparticipadas pelo estado.
2c - Consequentemente, as RMA levam à superovulação e fecundação de vários embriões que, se a taxa de sucesso da RMA for alta (o que todos cremos) leva à incineração dos restantes embriões, criando aqui uma pescadinha de rabo na boca originada pelo não.
2d - Também queria deixar um ponto sobre a confusão que alguns políticos, especialmente os de extrema direita (que se dizem de centro direita), fazem quanto à questão da liberalização da IVG. misturando-a com o fecho das maternidades. Sem ir para os caminhos das maternidades só quero deixar bem clara uma coisa, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Os argumentos do governo na questão das maternidades (dos quais eu tenho dúvidas quanto aos benefícios) são o de re-distribuição de recursos, não o de cessação de nascimentos. Dizer que poupar dinheiro nas maternidades para o gastar no aborto é tão lícito como dizer que a subida de impostos no tabaco vai orginar receitas para a subida dos ordenados da função pública.
3 - Estou de acordo que a culpa não deve morrer solteira.
3a - Não só as mulheres, mas também os homens, devem ser julgados. As suas caras devem ser mostradas na praça pública (como são as das mulheres julgadas).
3b - Se o não vencer e se ainda nos convencermos que estamos num mundo onde por não ser legislado os abortos não são feitos (o pai natal existe!) os homens devem ser obrigados a arcar com as devidas consequências, sociais e económicas.

Mais do que ir votar no sim ou não ao aborto, votem no sim ou não à liberalização do aborto. São coisas diferentes!

12 comentários:

Francisco Rodrigues disse...

Repetir um referendo passado 9 anos, parece-me ridículo.

koolricky disse...

Não percebi o teu comentário. A mim não me parece ridículo, parece-me mais que necessário. Relembrando uma achega dada na última sessão do Café Scientifique, temos que pôr a bíblia de lado...

Francisco Rodrigues disse...

Sinceramente este referendo não me convence nem um pouco. Eu tento pensar, neste caso, no sen tido mais lato possível e não opto nem Nao nem Sim. Mas, como sou um indeciso, talvez o meu voto não tenha o mesmo peso.
De resto, em relação ao meu comentário anterior, parece-me um intervalo de tempo curto para referendar a mesma coisa, quando há outros problemas graves que deveriam ser referendados e isso não passa pela cabeça dos meninos de coro da assembleia da república.

Anónimo disse...

Para mim, 9 anos até foi tempo demais... Está na hora de mudar as mentalidades deste país!!
E já agora, não me parece que exista assunto mais importante do que a saúde e liberdade das mulheres!! Como disse o Ricardo, mais do que votar sim ao aborto, votem sim à liberalização do aborto!!

Francisco Rodrigues disse...

Façam como entenderem.

Pedro Almeida disse...

Não é uma questão linear. Há sempre alguns "mas". Eu próprio tenho algumas dúvidas. Penso que, como em tudo na vida, tem que se pesar os prós e os contras. É um assunto sem dúvida controverso, ao qual não se deve anexar ideologias políticas ou religiosas. Um assunto pessoal. De cada um. Desse modo, quem sou eu para dizer aos outros (neste caso às outras) o que fazer. Penso que cada mulher manda no seu corpo e faz dele o que bem entender. Além do mais o Ricardo focou o aspecto mais importante de todo este processo, e sobre o qual toda a gente se deveria debruçar no momento de decidir entre o sim e o não - os abortos vão continuar a ser realizados, e muita gente vai enriquecer com tudo isto. Muitas mulheres vão morrer ou nunca mais terão a possibilidade de ter filhos. É uma questão de saúde pública. Isto é uma questão quotidiana que as pessoas escondem o mais possível.

Por isso eu vou votar no sim.

Anónimo disse...

Saúde das mulheres? Mulheres que morrem e não têm filhos?

Uma mulher grávida, para vocês, já é uma mulher doente? Sim senhor.

Arnaldo Vaz
Amadora

koolricky disse...

Arnaldo, uma mulher que faz um aborto numa garagem sem higiene e sem tecnologia vai provavelmente ter o útero danificado fazendo assim com que passe por complicações médicas que podem levar à morte, porque não quer admitir que teve que fazer um aborto no hospital visto poder ser processada, ou mesmo à esterilidade por ter danificado as partes vitas do útero para a nidificação e crescimento do feto.

Anónimo disse...

Isso sei eu.
Mas antes dessa carnificina, enquanto grávida, era uma mulher doente?
O Estado comparticipa a 100% os métodos contraceptivos? O Estado tem, em todo o território nacional, centros de saúde disponíveis, capazes e sustentados para consultas de planeamento familiar? Tem escolas com Educação Sexual fortemente implementada?
A mulher, antes de engravidar e depois se sujeitar ao "talho", não deveria informar-se primeiro? Ou ainda vivemos na época do celeiro?
Violações são cassos particulares.
O carro vai à frente dos bois, quer-se viciar viciar viciar até se conseguir. Este folclore mais parece um doutrinamento e tanto se vai referendar que o sim vai ganhar e aí, perpetua-se a doutrina no ultimo referendo. Neste segundo referendo, o sim saiu com uma volta de adianto.

Arnaldo Vaz
Amadora

NA disse...

Arnaldo, não acredito que nenhuma mulher em consciência seja capaz de fazer um aborto apenas como método anticonceptivo. Mesmo os abortos ditos "legais" acarretam riscos graves para a mulher que se sujeita ao mesmo.

Quanto ao meu voto no referendo ainda não está completamente definido mas:
-> continua a haver abortos clandestinos e pessoas com dinheiro a irem à nossa vizinha Espanha;
-> a lei proíbe o aborto mas nunca vimos ninguém ser preso por isso (demonstra hipocrisia da lei e que existe apenas por questões ideológicas e não para se fazer cumprir)
-> Não se está a referendar se as pessoas concordam ou não com o aborto, está-se a referendar se é ou não crime
-> e muitos outros argumentos aqui referenciados...

A mim, o que me preocupa é que, a partir do momento em que uma mulher fica grávida transporta com ela o resultado da obra de 2 pessoas, mas quer seja para abortar quer seja para manter a criança, o segundo elemento nunca é chamado à história... Penso que ao legalizar o aborto, fora em casos muito específicos, só poderia ocorrer com autorização do pai da criança.

Mesmo assim, um assunto a reflectir ...

Anónimo disse...

Visão sensata NA.

Arnaldo Vaz
Amadora

koolricky disse...

Ó Arnaldo, onde é que no texto está escrito que mulheres grávidas são mulheres doentes?