18 junho 2007

Opiário



Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a Índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.

Por isso eu tomo ópio. É um remédio.
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
E ver passar a vida faz-me tédio.

Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?

Sou desgraçado por meu morgadio.
Os ciganos roubaram minha Sorte.
Talvez nem mesmo encontre ao pé da morte
Um lugar que me abrigue do meu frio.

Eu fingi que estudei engenharia.
Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda.
Meu coração é uma avozinha que anda
Pedindo esmola à portas da Alegria.


do Opiário, Álvaro de Campos (autor que saiu, hoje, no Exame Nacional de Português)

3 comentários:

Anónimo disse...

"O coração latente das nossas duas luzes", a frase que me deu a volta a cabeça... :( :(

(exame nacional)

koolricky disse...

Embora imagine que muitos (especialmente os que fizeram exame hoje) não concordarão comigo, este é um pequeno exemplo da genialidade brutal do Fernando Pessoa...

Francisco Rodrigues disse...

Somos dois, sem sobra para dúvida.