21 julho 2007

Não há mais praias? Fazem-se novas! (II)



Alá quer, o Sheik sonha, a obra nasce. Assim poderia ser adaptado um dos mais famosos versos de Fernando Pessoa, de forma a caracterizar todas as portentosas alterações paisagísticas e sociais que os Emirados Árabes Unidos têm sofrido nas últimas décadas. Sobretudo os seus dois mais importantes estados, Abu Dhabi, a capital, e, claro está, o Dubai, que se tornou um dos mais luxuosos locais turísticos do mundo. Quem já não ouviu um sem-número de notícias sobre os megalómanos projectos das arábias? Mas será que esta é uma sociedade assim tão excêntrica? Mil vezes sim. Chega-se a esta conclusão ainda no ar, quando, através da janela, se avista o Golfo repleto de petroleiros, de paquetes e de centenas de arranha-céus que, literalmente, brotam da areia do deserto.

Sempre que se vai a um país do Médio Oriente entra-se num universo singular, mas aqui fica-se com a inabalável certeza de que presenciamos uma realidade única, que dificilmente terá paralelo em qualquer outra parte do mundo. Tudo se transforma, tudo se mistura e nunca se chega a perceber muito bem onde começa a realidade e acaba a ficção. Quem espera ver muitos árabes, esqueça. São poucos, apenas 17% dos cerca de quatro milhões de habitantes do país. O “resto” são turistas, homens de negócios oriundos de todo o mundo – cerca de 180 nacionalidades, atraídos pela pouca burocracia e baixas taxas oferecidas – e muitos paquistaneses, indianos e filipinos, os empregados de serviço e as mãos necessárias para colocar de pé todos as megalomanias. Esqueçam também aqueles que pensam ver uma sociedade ideologicamente próxima da ocidental, em que as mulheres muçulmanas se emanciparam.

O que se vê é surpreendente e sociologicamente muito mais complexo. A maioria da população feminina continua a tapar o corpo e a usar o omnipresente véu (hijab), mas, na intimidade, escondem-se representações plenas do termo fashion victim, ostentando malas, sapatos, telemóveis de luxo, e um olhar lânguido caprichosamente pintado. Sentem-se os “petrodólares” por todo o lado. Nas pessoas, nos edifícios, no parque automóvel. Sucedem-se os Rolls- -Royce, Porsche, BMW, Corvette e muitos outros automóveis topo de gama. Nota-se a obsessão pelo registo da patente do “maior” ou “melhor”. Os maiores edifícios, os melhores hotéis, os maiores e mais diversificados malls, isto é, centros comerciais. O país é, aliás, um convite irresistível aos shopaholics. Todos os produtos são livres de impostos, as principais marcas internacionais estão presentes e os diamantes e ouro estão exposto na montra, com a mesma quantidade e diversidade com que os legumes do dia estão expostos no mercado. É também no Dubai que se situa o maior souk de ouro do mundo – com mais de duas centenas de lojas de dourados produtos. Mas como é que o local, onde até há poucas décadas os seus habitantes viviam da pesca e passeavam os seus camelos pelo deserto, se transformou nesta faustosa passerelle de vícios e virtudes? A história diz que o pontapé de saída foi dado em 1971, quando os sete pequenos estados se uniram – todos juntos, são, ainda assim, mais pequenos que Portugal! –, e formaram os Emirados. Os locais defendem que a evolução se deveu à visão, inteligência e humanidade do Sheik Maktoum bin Rashid

Al Maktoum, o homem que até 2006 foi o primeiro-ministro do país – o irmão sucedeu-lhe após a sua morte –, preocupado em dar uma vida melhor aos seus conterrâneos, depois de “ter visto a luz” numa viagem que fez à Europa. Já os forasteiros preferem atribuir a obra ao petróleo, descoberto em 1966. O mais certo é que tenha sido a mistura das duas, à qual se juntou uma substancial dose de loucura, convenhamos.

A verdade é que o progresso nunca mais parou. O Dubai, cidade-estado que ocupa apenas 5% do território, foi o que mais cedo se destacou e é o que recebe o maior fluxo de turistas. Aliás, é precisamente na “Manhattan da Arábia”, como muitos lhe chamam, que se situam os maiores investimentos: o famoso hotel de sete estrelas Burj Al Arab, em forma de vela, alojado em pleno mar; a pista de ski indoor com cerca de 400 metros; o Burj Dubai, que em breve será o maior edifício do mundo, com 800 metros de altura, “apenas” o dobro do Empire State Building; um hotel subaquático, situado 20 metros abaixo do nível do mar, e com uma superfície total de mais de 100 mil metros quadrados; as ilhas em forma de mundo (The World), ou em forma de palmeira (Palm Island). Enfim, centenas de projectos, uns já em funcionamento, outros under construction, uma das palavras mais lidas e ouvidas na região.

É também no Dubai que estão alguns dos mais distintos resorts do mundo, como o Jumeirah Beach Hotel ou o Madinat Jumeirah, todos membros do mesmo grupo hoteleiro, e todos na mesma praia. Em plena costa do Golfo da Arábia, a água do mar chega a atingir os 30 graus e até as piscinas têm de ser refrigeradas. E não se preocupem aqueles que quiserem conhecer a cidade ou o estado inteiro, pois chega-se de uma ponta à outra em cerca de 40 minutos. Ah... há ainda o Dubai Creek, uma espécie de lago em que o mar entra pela cidade dentro, proporcionando imagens de uma estranha beleza, sobretudo quando se pressente o deserto ali tão perto, a pouco mais de meia hora... A mesma distância a que fica Abu Dhabi, a capital, e que representa a quase totalidade do território do país. Ainda não tem o mesmo poderio turístico do estado irmão, mas para lá caminha. Já não faltam os resorts de luxo, e magníficos hotéis, entre eles um dos mais distintos do universo: o Hemirates Palace, um sete estrelas com os tectos banhados a ouro. Em construção estão igualmente o Louvre Abu Dhabi e o Guggenheim Abu Dhabi, que tentam responder a todos aqueles que acusam o país de apenas apostar na ostentação e não na cultura. Quando pararão estes árabes? Ninguém sabe. Talvez só os deuses... ou, provavelmente, nem eles.

in Rotas e Destinos

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