O concerto abriu com apenas duas cantoras búlgaras, trajadas a rigor, de mão dada e sozinhas em palco. Entretanto, para espanto geral, os músicos de instrumentos de sopro, iam surgindo, um por um, entre o público. A sala que estava repleta, foi obrigada a virar-se de costas para o palco, assistindo a ritmos desconcertantes que esses músicos produziam enquanto caminhavam pelo público. É que eles estavam bem-dispostos, alegres, mas tocavam melodias belas, muito tristes, puramente fúnebres. Subiram ao palco e de seguida chegou o percussionista para os acompanhar na entrada fúnebre. O último a aparecer foi o brilhantíssimo Goran Bregovic. Já com os 10 músicos em palco, soltaram a primeira bomba de adrenalina que imediatamente conquistou o público. Era um ritmo fortíssimo, obrigatório de se dançar, algo que quem conhece de Bregovic vê que é mesmo assim, quase um exorcismo. Dezenas de pessoas saltaram das suas cadeiras e foram a correr para junto do palco. Por lá ficaram a dançar, quase que hipnotizados, até ao final do concerto. Bregovic e o percussionista, que ocupavam a parte central do palco, mantiveram um sorriso contínuo durante todo o concerto. Eles riam-se porque estavam a desfrutar em pleno, porque estavam entregues à música mas também ao público. E aqueles sorrisos pareciam também de alguém que tem consciência que está a fornecer uma droga, tipo o taberneiro que serve ao bêbado uma malga de vinho, em que apenas falta a gota que a fará transbordar. Eles sabiam desde o início que conseguiam levar a sala à loucura, eles sabiam que não ia haver uma única pessoa a ficar sentada, sem dançar. O alinhamento foi equilibradíssimo, alternando entre a festa que nos obrigava a dançar e os ritmos fúnebres, melodias que falam a linguagem da alma e atropelam o espírito. Hinos como in the death car e mesecina não foram esquecidos e esta última fez, com toda a certeza, com que as fundações do magnífico Grande Auditório do Vila Flor fossem estremecidas. Os músicos conseguiram, garantidamente, esmagar o público. Para fechar o espectáculo, e depois de insistentes pedidos da plateia, Bregovic lançou um feitiço chamado kalashnikov. Ele mesmo explicou que no seu país há muitas guerras e que morre demasiada gente inocente. A música, disse ao público [porque há músicas que falam] que apesar de martirizado, o povo dos Balcãs, faz desse cenário de guerra uma festa, vivem as suas vidas em celebração, conscientes que só vivem uma vez. Kalashnikov foi a prova da possessão geral entre o público. Dançámos, saltámos, cantámos, tal como alguns dos músicos, enquanto Bregovic cantava, com o seu copo de whisky na mão, consciente do vírus que espalhara naquela multidão. Absolutamente inesquecível. Brilhante.
Também no Ócio, a convite de Cláudio Rodrigues.
Também no Ócio, a convite de Cláudio Rodrigues.
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