09 dezembro 2006

Adolfo Luxúria Canibal


- Por que é que não achou piada à advocacia?
- Porque se tem que estar na depend
ência do juiz, na subserviência a alguém que manda, e isso irrita-me solenemente. Irrita-me a ideia de ser mandado por pessoas que fazem gala em mandar. Porque há formas de levar o barco a bom porto sem puxar dos galões.


-
O português é fechado, picuinhas e muito tacanho, afirmou. Importa-se de explicar?
- O português tem a tendência para não dizer não, para aceitar a docilidade e procurar formas escorreitas e não frontais de fugir às suas obrigações. As coisinhas, a propriedadezinha, o assassinato por causa das águas que passam no terreno, os insultos no trânsito. Existem inúmeros sinais dessa nossa pequenez. Noutros países não vejo as pessoas saírem dos carros para insultarem ou agredirem.


- Foi o terceiro melhor do distrito de Braga a correr os 60 metros, jogou andebol na selec
ção de andebol da sua escola. Qual é a sua relação com o desporto?
- Nenhuma.


-
Ainda tem avers
ão ao futebol?
- Já tive mais. Gosto de ver um bom jogo, mais na televisão que no estádio. Desde que estou em Braga sinto alguma piada em acompanhar o clube da terra, sempre de forma distante.


- Afirmou que
os políticos portugueses são do pior que se pode encontrar?
- Acrescentaria que os políticos portugueses são tão maus como os de qualquer outra parte do Mundo.

- É por isso que nunca vota?
- Não é só por causa das pessoas. É porque não me revejo a ser representado por outrem, seja ele quem for. Sobretudo quando essa representação é um cheque em branco que serve para tudo. Representações abstractas não me dizem nada.


-Aos onze anos fez uma revolta caseira para não ir à missa. Lembra-se porquê?
- Basicamente porque a missa era uma chatice. Não vou a nenhuma desde essa altura, há 34 anos.

- Acredita que nada mudou?
- Acredito que nada tenha mudado.

- Não tem afeição à igreja?
- Acho uma coisa repugnante.

- Lembra-se do concerto no Douro em que não vos queriam pagar e um colega vosso sacou de uma pistola e encostou-a à cabeça do promotor dizendo: “Ou pagas ou mato-te”?
- Vagamente. Lembro-me dessa história ter sido motivo de piada durante muito tempo. Essa situação acontecia muito quando os Mão Morta eram uma banda pequena e não havia contratos assinados. Quando os cachés triplicaram as pessoas deixaram de dar banhada ao grupo.

- Deu sete cortes na perna, desmaiou e foi suturado com 20 pontos. Como é que é possível uma coisa destas?
- Aconteceu. Não foi o primeiro concerto em que usei lâminas. Num gesto feito sem medo nem hesitação passei a faca na perna e com o calor e a adrenalina as passagens da faca não foram sentidas. Só no último corte, o mais profundo, senti algo. Ao passar a mão pela perna dei conta que tinha uma catarata a jorrar. Dois músicos estavam quase a desmaiar mas aguentou-se o concerto até ao fim. Quando cheguei ao hospital e vi que tinha a perna num estado lastimoso fui-me abaixo.

- Lembra-se de ser pontapeado por um polícia em Mirandela?
- Foi uma coisa absurda. Os polícias a darem pancada, os músicos a acelerarem a batida. Quando um dos polícias começa a dar-me uns pontapés precisos alguém diz: “Não toque nesse senhor que ele é advogado”. De uma forma caricata, espécie de reacção automática, o polícia retira o pé e faz de conta que não é nada com ele. Isso é sintomático de uma certa mentalidade portuguesa.

- Já afirmou que o único bem cultural de Braga era a televisão. Braga é desalentadora?
-Essa era irónica. Chamar bem cultural à televisão era sinal do desespero em que a cidade vivia. Depois disso já disse que o seu único bem cultural era a Bracalândia. Felizmente temos de volta o Teatro Circo com uma programação que tem suprido o desalento que é o quotidiano desta cidade. Deixei de passar na Brasileira e de encontrar os amigos de juventude porque os poucos que saem não contam nada. A partir do momento em que passei a morar em Braga, as novidades secaram e o que existe é uma maledicência generalizada e uma pasmaceira.

- Vinte anos de estada em Lisboa, cinco em Paris, há um ano de retorno a Braga. Onde é que se sente em casa?
- Em lado nenhum. Em Braga, por exemplo, sinto-me em casa e ao mesmo tempo há um grande desconforto porque ela não me provoca nem me desafia. É terrível, causa envelhecimento precoce.

- O que espera do seu futuro?
- Não espero grande coisa. Não me sinto traído face a mim próprio. A única coisa que me arrelia é sentir que fisicamente já não tenho 30 anos; que há algo que me abandona. Questões de fígado, de dores em articulações, nas costas, inflamações. Há aqui uma decadência física que espero não seja muito rápida nem gravosa.

in Correio da Manhã - 9/12/2006

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